Sunday, October 05, 2008

Ela entreabriu os olhos devagar, a cabeça girando um pouco antes que uma pequena fogueira surgisse em seu campo de visão. Um meio sorriso escapou de seus lábios e ela tentou se mexer para mais perto das chamas, até sentir uma dor aguda no ombro direito. Sem perceber, soltou um gemido baixo, estrangulado, tentando compreender exatamente o que acontecera.


- Se eu fosse você, não me mexeria tanto. Eu tentei imobilizar seu braço como pude, mas não havia muito o que eu pudesse fazer.

Haruka forçou-se a sentar, fazendo com que o casaco que até então estivera sobre ela escorregasse para seu colo, revelando que seu braço direito estava preso numa precária tipóia. Levantando o rosto, ela encontrou a figura de Maho um pouco mais adiante, recortada contra a entrada da caverna.


- Onde estamos? O que aconteceu? – ela perguntou, lutando contra o cansaço e a sonolência que pareciam prestes a engolfá-la de novo.

- O amuleto que ele deu a você nos protegeu da queda. – a loira respondeu – Você perdeu a consciência quase ao mesmo tempo em que ele começou a agir. Quanto ao braço, acredito que ele tenha deslocado quando você tentava me puxar para cima.

Haruka assentiu minimamente, abaixando o olhar para o pingente em seu pescoço.

- Por que eu perdi a consciência? – ela questionou em voz baixa, quase como se falasse consigo mesma.

- A jóia é apenas um condutor; a energia para criar uma barreira como a que você conjurou vem do seu corpo. – Maho respondeu mais uma vez, aproximando-se, o rosto pálido finalmente saindo das sombras – Inconscientemente, você deve ter ativado a magia; isso costuma ocorrer em situações de perigo. Com treino, não vai drená-la tanto. De qualquer maneira, se não fosse pela sua kekkai, teríamos morrido na queda.

O tom da médium era calmo, como se ela não se importasse muito com o perigo pelo qual tinham passado. Maho sentou-se do outro lado da fogueira e só então Haruka pode ter uma boa visão da outra menina.

Ela estava apenas com a saia lilás e a blusa branca de mangas curtas do uniforme para as aulas. Havia manchas de sangue nas roupas, mas os machucados no pescoço e pulsos estavam limpos, embora roxos.


O que mais lhe chamou a atenção, contudo, é que a expressão de Maho parecia mais relaxada, os olhos claros sem a atitude defensiva que ela sempre ostentava. Haruka então abaixou os olhos para o casaco em seu colo. Compreensão fez com que seus olhos se arregalassem: aquela era a capa do uniforme de Maho.

- Anoo... você... Você não está com frio? – Haruka perguntou sem graça.


Maho balançou a cabeça.


- Não está realmente frio.

- Como não?! Nós estaríamos congelando aqui se não fosse pela fogueira. – Haruka mordeu ligeiramente os lábios – Eu não... Eu não quero que você fique sem seu casaco por minha causa. Eu estou bem.

A resposta da outra foi um pequeno suspiro.

- Eu estou bem, Miuura. O frio que você está sentindo não tem nada a ver com o clima.

Haruka piscou os olhos, surpresa.

- Não?

- Não. O frio que você está sentindo é uma sensação psicológica, não térmica. Preste atenção na reação da sua pele ao ar.

Haruka piscou os olhos, surpresa ao perceber que a médium estava certa. O frio que sentia não parecia vir do que a cercava, mas era como produzido de dentro para fora. Como aquilo era possível?

- É uma defesa humana ao sobrenatural. – Maho respondeu a dúvida silenciosa dela – Um alerta de que algo está fora do curso normal das coisas. Você acaba se acostumando com o passar do tempo.

A morena assentiu minimamente, desviando a atenção da companheira para o lugar ao redor delas.

- Onde estamos?

- Uma caverna. Eu arrastei você pra cá quando a neblina começou a descer.

- Neblina?

- É o que está fora de lugar. – Maho fez uma expressão pensativa – Não é uma cerração comum. Eu acredito que haja algum feitiço de confusão nela. Estaremos seguras aqui dentro; eu conjurei um escudo na entrada.

- E Takagi-kun e Henro-sama? – Haruka retrucou, alarmada. Embora não compreendesse completamente o que a loira dissera, sabia que a situação não estava boa.

Maho balançou a cabeça; O que acontecera lá em cima desde o começo fora com o intuito de os separar. Tivera certeza disso quando sentira o nevoeiro tomando a paisagem diante de si.

Ela mal tivera tempo de puxar Haruka para a caverna, selando a entrada com um feitiço igual ao que protegia sua casa. Se tivessem permanecido lá fora, acabariam se perdendo. Ou coisa pior... seus instintos diziam que não havia apenas confusão no encantamento que conjurara aquela cerração.

- Não podemos sair daqui até as brumas se dispersarem. Se você sabe alguma prece, Miuura, eu sugiro que você reze para que eles não tenham sido apanhados pela neblina. E, de resto, só nos resta esperar.

Friday, August 15, 2008

Revelações - Parte 6

- Frida... – Adhara repetiu o nome lentamente, encarando o líquido escuro e intocado dentro de sua xícara.

É claro que seria Frida... Havia dúzias de sinais circundando a polonesa, gritando para serem notados por quem bem entendesse, e Adhara começou a enumerá-los em voz alta, sem encarar o pai:

- O modo como ela estava tão próxima do senhor no enterro de Dumbledore; ela entrando e saindo da nossa casa para ficar de olho em mim enquanto o senhor viajava; a forma como o senhor saiu correndo para ir ao enterro do Sr. Johnson e demorou tanto para voltar para casa naquele dia; este... Fidelius no apartamento dela, com o senhor como fiel de segredo. – nesse momento ela levantou o rosto, prendendo seus olhos ao de Kamus – Pai, há algo bem grande acontecendo aqui, não é? Entre o senhor... E ela.

O Auror anuiu tranqüilamente e serviu-se de mais chá antes de confirmar.

- Sim, há. – ele sorveu um gole da bebida quente – Eu estou tendo um relacionamento com Frida.

A sonserina cerrou os punhos por baixo da mesa, sentindo a despreocupação de Kamus começar a lhe enervar. Como ele poderia estar lhe dando aquele tipo de notícia com o mesmo tipo de interesse com que alguém comenta sobre o tempo? Após tantos anos já estava acostumada com o descaso do pai, entretanto naquela situação, aquilo parecia um tanto demais.

- Desde quando? – questionou a garota.

- Cerca de uns dez meses.

Adhara entreabriu os lábios, visivelmente surpresa e quase recusando-se a acreditar naquilo. Dez meses? Dez meses que aquela situação se arrastava pelas suas costas? Poderia compreender que no começo seu pai talvez não quisesse incomodá-la e nem incomodar a si mesmo, colocando-lhe a par de um caso que poderia não ter assim tanta importância ou durar por muito tempo. Essa havia sido a abordagem de Kamus com todas as outras mulheres que surgiram em sua vida após Anabelle.

Desde que a sonserina conseguia se lembrar, nunca havia existido nenhuma namorada, ou mesmo amiga. Nunca houvera uma mulher freqüentando a casa deles. Então, dez meses era um tempo longo demais para que Frida pudesse ser apenas mais um caso.

- E quando o senhor pretendia me contar? – e ela não pôde evitar que o tom de sua voz soasse um tanto revoltado.

Kamus pousou a xícara na mesa, decidido a cortar a postura rude de Adhara naquele instante. Ele não toleraria uma gota sequer daquele comportamento imaturo. Não havia cometido nenhum ato vergonhoso ou que traísse a confiança da garota para justificar aquele tipo de comportamento por parte da filha.

- Eu planejava lhe contar na páscoa, mas então Ludovic resolveu lhe seqüestrar e você resolveu sumir de casa por três dias depois disso. – ele disse, de forma extremamente autoritária – E então eu planejei lhe contar no início das férias, mas você claramente não estava em condições de lidar com essa notícia.

A garota soltou uma exclamação indignada diante daquilo.

- Depressiva ou não, eu poderia lidar com o fato de que o senhor arranjou uma namorada. – ela retorquiu.

- Ótimo, e você poderia lidar como fato de que eu também arranjei um filho?

Adhara encarou o pai como se nunca tivesse o visto antes. E então a cena de Frida passando mal e vomitando no banheiro há apenas minutos atrás lhe voltou à mente.

A garota fechou os olhos e levou uma mão até a testa.

- Ela está grávida!

Kamus assentiu, ainda que seu gesto não fosse visto.

- Sim, ela está. – e o Auror confirmou a constatação, ainda que Adhara não precisasse disso.

A jovem silenciou, tentando ainda processar o fato de que seu pai, não apenas estava mantendo um relacionamento sério há dez meses, mas também que ela ganharia um irmão, ou irmã, por causa disso. Era uma mudança bastante grande e bastante súbita para alguém que até o dia anterior havia passado a vida inteira como uma filha única, órfã de mãe e criada apenas pelo pai.

Ela suspirou. Poderia passar o restante dos dias se recusando a aceitar tudo aquilo, mas sabia que isso não mudaria ou apagaria nada e aquela história ainda estaria ali, esperando por ela, tão logo resolvesse parar de fechar os olhos e se conformar com a realidade.

Ou poderia se poupar do desgaste e lidar com tudo naquele momento. E Adhara sentiu-se compelida pela última opção.

continua...